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sábado, 4 de outubro de 2008
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Adeus 
Sento na cadeira de balanço. Ouço apenas o som do vento lá fora, e o estalar das madeiras da minha casa. Sinto o frio que aqui predomina. Sinto tristeza, angústia, dor, arrependimento e alívio. Tristeza por perder minha amada. Angústia por não tê-la mais comigo. Dor por estar sozinha. Arrependimento por não ter valorizado. Alívio por saber que ela está em um lugar melhor do que aqui, com essa ingrata. Me reclinei na cadeira. Peguei sua fotografia. Ela sorria pra mim. Parecia que a fotografia se mexia, e ela dizia algo como 'não se sinta mal'. Aconteceu há 5 meses, mas lembro como se fosse ontem. 12 anos juntas. No começo, era um amor invejável. Todos nos idolatravam, e se surpreendiam com tal sentimento. Mesmo sendo um relacionamento homossexual, conseguiam ver além. Conseguiam ver algo além do fato de duas pessoas do mesmo sexo. Eles, incrivelmente, viam o amor. Puro, verdadeiro e... Eterno. Não. Não foi. Era essa a promessas que fazíamos quando fomos morar juntas. O eterno. Considerávamos que era pra sempre. Achávamos que tudo seria igual nós projetávamos. Mas não foi. O tempo foi passando, o amadurecimento faltando, e o relacionamento começava a desandar. Nós quase nos separamos logo no início, mas ela foi mais forte e passou por cima dos nossos problemas. Deu milhares de passos na minha frente, ficando a quilômetros de distância do meu amadurecimento. Me senti incapaz e humilhada. Eu ainda era uma criança. 20 anos na cara, e eu não tinha me tocado que estava em um namoro. E não era um namoro considerado comum. Eu achava que não estava preparada. E, realmente, eu não estava. Mas o amor me cegou, nos cegou. Eu achei que seria capaz de manter viva e saudável nossa relação. Porém, quanto mais eu tentava, mais merda eu fazia. Eu tentava algo certo, mas fazia o oposto. Com isso, eu a decepcionava. Eu não aceitava seu jeito, suas manias, suas inconstâncias. Ela sempre fez de tudo por mim, e sempre aceitou as coisas calada. Eu continuava lutando, errando, e raras vezes, acertando. Ela ia aguentando, e eu me acomodando. Chegou em um ponto onde não dava mais pra ela. Nos separamos. E foi aí que comprovei que 'as pessoas só dão valor quando perdem'. Descobri isso a duras penas. Mas foi necessário. Eu não merecia uma mulher tão boa. Achei que conseguiria ser racional e pensar no melhor pra ela. Mas não. Meu coração batia mais forte. Minha mente só se voltava pra ela. Passou uma semana. De duro sofrimento. Pensei em tirar minha própria vida. De que valia eu viver, se não estava com ela? Percebi então, que minha vida só teria sentido com meu amor. Sim, nunca gostei de dependência, mas eu não podia fazer nada. A ausência dela já me machucava tanto, que mesmo se ela não me aceitasse de volta, não faria muita diferença. Liguei para ela. Fiz juras de amor (sinceras). Ela, obviamente, não aceitou de primeira. Mas eu não iria desistir. Liguei milhares de vezes, fiz loucuras de amor, me expus ao mundo. Expus meu amor. Eu estava prestes a subir em uma torre bem alta e gritar 'meu amor, volte pra mim'. Mas não precisou chegar a tal ponto. Um dia estava eu em meu apartamento, de moletom, chorando minhas angústias e comendo chocolate loucamente, em um dia chuvoso lá fora. Quando de repente, ela chegou toda molhada e chorando, dizendo que também não aguentava mais viver sem mim. Choramos, nos abraçamos, beijamos, nos amamos. Voltou a ser aquele amor invejável. Mas por pouco tempo. Ela voltou, mas claro, que não com tanta paciência. O tempo tinha passado, a idade também. Ela já tinha amadurecido bem mais, e eu ainda estava parada no tempo. Não consegui evitar que se tornasse o que aconteceu antes. Pelo contrário. Eu fiquei mais egoísta e nojenta. E eu não percebia isso. Achava que não fazia nada de errado. Eu tinha a ilusão de que nosso relacionamento era perfeito. Ela fingia que estava tudo bem, e eu acreditava. Ela me amava, eu a amava. Porém, não servíamos pra ficar juntas. Eu não era merecedora desse amor. Percebi isso quando um dia acordei e não a vi do meu lado. Pensei que ela talvez estivesse na cozinha ou no banheiro, mas não. Gritei seu nome. Nessa hora, eu já estava chorando. Sentei no canto da sala escura, abaixei a cabeça e chorei. Ergui os olhos inundados de lágrimas, e vi uma carta em cima da mesa de jantar. Estava escrito 'Adeus'. Fui correndo pegar a carta.
"Meu amor, estou indo. Não pense que voltarei. Não pense que não te amo. Não pense que nosso relacionamento foi falso. Eu te amo, e nunca deixarei de amar. Porém, essa vida não funciona mais pra mim. Só eu faço o papel de namorada aqui. Só eu que cedo, sofro, faço de tudo por você. E você não sabe fazer nada por mim. Nem mesmo retribuir. Não ache que foi sua culpa. Foi simplesmente o fato de que eu preciso seguir com minha vida, e você com a sua. Eu estava empacando seu jeito de ser. Você tem um ritmo diferente de amadurecimento, mais lento que o meu, e eu não sei regredir. E você não soube progredir. Foram 12 anos. Eu sempre te motivando a crescer, e você não queria. Se acomodou com todos os luxos do amor que eu te dei. Novamente, digo que não foi sua culpa. Talvez até tenha sido minha. Eu te sufoquei com tudo que te dava. Você, claro, aproveitou. Mas hoje, temos 32 anos, e estamos aqui, sem futuro. Nosso relacionamento não passaria daqui. Eu estava sofrendo, mas tentava ignorar isso. Eu pensava mais em você do que em mim. Mas agora não dá mais. Preciso me valorizar. Lembre-se, querida. Eu estarei longe, mas seu rosto sempre estará nos meus pensamentos. Os momentos bons serão lembrados. Os ruins serão esquecidos. Sempre lembrarei de você com todo o amor. Não se esqueça disso. E não tente me procurar. Estou mudando de país. Preciso renovar. Eu espero que você tenha uma vida realmente muito boa. Você merece. Adeus."
Joguei a carta no chão e levei as mãos à boca. Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Desperdicei uma vida perfeita com uma pessoa perfeita. Eu não conseguia nem pensar. Eu acabei com provavelmente a melhor oportunidade da minha vida. Meu coração apertou. Eu achava que não conseguiria viver. Mas, eu precisava lembrar dela durante toda minha vida. Eu precisava disso. Seria ao menos uma memória boa. Eu poderia morrer sozinha e nunca me relacionar com mais ninguém. Mas, ao menos, eu teria aquela bela mulher em minha mente. Aquela mulher que me fez despertar o sentimento mais nobre. Aquela mulher que fez de tudo por mim. Aquela mulher que eu não valorizei. Agora sim eu amadureceria. Tive que vê-la partir. A vida nos prega coisas desse tipo. Tive que perdê-la pra aprender a viver. E hoje estou aqui. Mudei de casa. Mudei de vida. E ela? Espero que esteja muito feliz. Ela merece. E ela? Estará sempre em mim, no meu corpo, nos meus pensamentos. Nunca a esquecerei.
Eu e ela ás
13:23,